É comum, quando nos recordamos de alguns exemplos na escola, lembrar as aulas de redação como momentos em que deveríamos ter uma inspiração quase mística para escrever sobre alguns temas. “Faça uma redação de 20 linhas com o tema saudade”. “Hoje vocês vão escrever sobre violência” – e assim vai (ou ia?).
Às vezes a inspiração mística baixava e quase “incorporados” dávamos à luz algumas obras primas, com um errinho aqui e outro ali, mas sem que fosse perdido o valor da obra. Reparem que estou usando a 1a pessoa do plural, é que acredito que o caro leitor já tenha passado por isso. Na maioria das vezes, porém, dávamos um suspiro sentido, olhávamos para o alto, como quem diz “Deus, por que me abandonaste?”, e seguíamos molengamente firmes na missão de preencher as 20 linhas. Subterfúgios para isso não faltavam. Parágrafos curtos garantiam que fôssemos à próxima linha, letra grande e longos espaços entre as palavras davam até uma aparência interessante de velocidade e, por fim, indagávamos ao professor: “Servem dezoito linhas?” – dependendo do dia e das forças obscuras que regem a natureza, a resposta era sim ou não.
Como professor, não posso mentir, já proporcionei momentos assim aos meus alunos. Não me arrependo, segui apenas o modelo que conhecia e o qual vi reproduzido por inúmeros professores pelos quais passei. Modéstia à parte, não acho que escrevo mal, e muito devo a esses mesmos professores. No entanto, creio que meu aproveitamento e de meus colegas poderia ter sido melhor se alguns detalhes fossem observados.
Refiro-me ao fato de que não é comum se discutir abertamente com os alunos sobre o verdadeiro porquê de se escrever, sem que se recorra a alguns lugares-comuns como: é essencial para o vestibular, vocês vão precisar quando forem procurar emprego, quem não sabe escrever é porque nunca foi à escola e bibibibobobó.
Devo confessar que minha vontade de escrever tinha e tem mais a ver com o prazer que sentia e sinto escrevendo do que com qualquer argumentação de terror convincente. Minha relação com a escrita envolve, antes de tudo, prazer em me fazer “ouvido”. A grande questão, portanto, torna-se esta: tenho algo que valha a pena dizer-escrever? Ora, se nunca pensei a respeito de determinado tema, como “falar” sobre ele?
A escrita é uma maravilhosa forma de comunicação consigo mesmo, com o outro e com o outro de outro tempo. Quando escrevemos, é como se nos colocássemos diante do espelho para descobrir o que vai pelo nosso pensamento e a quantas anda o que sentimos. A redação, antes de ser para o proponente (professor), deve ser para o próprio aluno, que deve se descobrir nela. Se não encontramos bons motivos para fazer algo, não fazemos, a não ser que sejamos obrigados. Aplicando esse postulado ao nosso tema, provoca-se o fenômeno já descrito: olhar para o alto como quem diz “Deus, por que me abandonaste?”, e assim por diante.
Discutir sobre um tema, saber o que outros já disseram a respeito, ou seja, criar um repertório de pensamento é essencial e às vezes até mais importante do que escrever. A escrita então aparece como forma de se expressar determinado pensamento e/ou sentimento de maneira que se consiga transmitir a mensagem desejada com clareza ou respeitando a intencionalidade, neste caso, do aluno-autor. As técnicas de redação e o conhecimento dos diferentes tipos de texto passam a servir a este aluno de acordo com sua necessidade e não o contrário, que seria o aluno servindo às técnicas e gêneros textuais.Tendo o que dizer, o aluno há de se preocupar com a forma de dizer, então a técnica, a ortografia e a sintaxe passarão de suas inimigas a suas aliadas, e com elas o próprio professor.
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