Merchandising social. O que é isso?
(www.gestaodecarreira.com.br)
Qui, 14 de Junho de 2007 11:24
Fernando Credidio
A cada dia, produtos e serviços ocupam mais espaço na televisão brasileira, fora dos brakes (intervalos) comerciais. É uma profusão de depoimentos, testemunhais e exposição de marcas que vêm contaminando os programas e as telenovelas, driblando a restrição dos intervalos comerciais e a atenção do telespectador. Chamam a isso, equivocadamente, de merchandising.
Ainda que as publicações técnicas não legitimem nenhuma expressão, apenas as registrem, vou me socorrer de uma delas para elucidar o termo merchandising. Segundo Wilson Cobra, autor do livro “Marketing Básico – Uma Perspectiva Brasileira”, merchandising compreende um conjunto de operações táticas efetuadas no ponto de venda para colocar-se no mercado o produto ou o serviço certo, com o impacto visual adequado e na exposição correta.
Em corroboração a essa definição, Eneus Trindade afirma, no artigo intitulado “Merchandising em telenovela: a estrutura de um discurso para o consumo”, que as diversas aplicações que o termo vem recebendo não passam de uma designação para técnicas promocionais que, necessariamente, não possuem nenhuma semelhança com o verdadeiro procedimento de merchandising, no que diz respeito ao seu conceito mercadológico, o qual está fortemente atrelado à ação promocional para um produto ou serviço no ponto de venda.
Concordo com ambos os autores. Entendo, também, que a expressão merchandising, em telenovela, não se aplica nem pode ser entendida dessa forma, no seu sentido conceitual. Na verdade, a expressão correta para esse tipo de exposição é tie in, que significa amarrar dentro, ou seja, amarrar dentro de um determinado contexto. Esta é a denominação mais apropriada, porque a televisão, como veículo, não deve nem pode ser considerada um ponto de venda, afinal, ninguém adquire um produto diretamente da tela, mas sim por meio dela. Logo, não existindo merchandising televisivo, a expressão merchandising social também inexiste. Dessa forma, o que vimos assistindo são tie in sociais.
A estratégia de se amarrar produtos a contextos é antiga. A primeira experiência desse tipo, em telenovela, aconteceu em Beto Rockfeller (Bráulio Pedroso, 1969, TV Tupi), cujo protagonista, personagem do ator Luís Gustavo, amanhecia quase todos os dias ressacado das noites de farra e tomava o antiácido efervescente Alka Seltzer, produzido pela Bayer. Contudo, a estratégia se consolidou a partir da novela Dancing Day’s (Gilberto Braga, 1979, TV Globo), com a exposição das calças jeans Staroup, por meio da personagem Júlia Matos, interpretada por Sônia Braga.
Mais importante, porém, do que discutirmos conceitos ou relembrarmos estratégias comerciais das emissoras de televisão, é abordarmos o que vem sendo produzido a título do chamado “merchandising social” e, principalmente, as verdadeiras intenções das emissoras que o veiculam.
O fato é que existem outros interesses além daquele de difundir campanhas institucionais, de utilidade pública e de marketing social por trás das inserções feitas nas telenovelas ou naquelas veiculadas nos intervalos da programação. Tais iniciativas fazem parte de uma estratégia ampla e organizada de conferir ao canal uma imagem de cidadão e socialmente responsável. Nesse aspecto, comungo da opinião do jornalista Joelmir Beting que, em uma entrevista concedida à Revista Imprensa, em março de 2004, afirmou que quando a mídia divulga e cobra responsabilidade social de todo mundo, ela própria se esquece de que não está zelando muito pela sua própria responsabilidade social.
Mas voltando ao dito merchandising social, a ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância - define o termo como sendo a inserção intencional, sistemática e com propósitos definidos, de questões sociais e mensagens educativas nas tramas das telenovelas e outros programas de TV. As questões sociais abordadas mostram-se, aos telespectadores, como parte integrante do enredo das telenovelas e minisséries. Aparecem associadas, de forma positiva e educativa, aos diversos personagens que, deste modo, atuam como porta-vozes dos conceitos, atitudes e comportamentos que estão sendo promovidos.
A Rede Globo começou a veicular esse tipo de campanha em 1995, na novela História de Amor, de autoria de Manoel Carlos, em que o personagem Edgar, interpretado por Nuno Leal Maia, ficava paraplégico e, mesmo assim, praticava esportes. O assunto foi tão debatido na época que o autor convidou Pelé, que na época era Ministro do Esporte e Turismo, para fazer uma participação na trama. A experiência se repetiu no ano seguinte, na novela Explode Coração (Glória Perez, 1996, TV Globo), em que foi abordado o problema das crianças desaparecidas, o mesmo tema retomado agora pela novela Prova de Amor (Tiago Santiago, 2006, TV Record), que será mote de um comentário adiante.
Daquela época em diante, a maioria dos autores concedeu generosos espaços a esse tipo de sensibilização. Os casos mais lembrados são aqueles que abordaram a doação de órgãos - Laços de Família (Manoel Carlos, 2000, TV Globo) –, o consumo de drogas – O Clone (Glória Perez, 2002, TV Globo) –, a questão dos idosos - Mulheres Apaixonadas (Manoel Carlos, 2003, TV Globo) -, o mal de Alzheimer - Senhora do Destino (Aguinaldo Silva, 2004, TV Globo) – e, mais recentemente, os deficientes visuais – América (Glória Perez, 2005, TV Globo), que deu origem até a um programa fictício – É Preciso Saber Viver -, apresentado por Dudu Braga, filho do cantor Roberto Carlos.
Não há dúvida que esse tipo de iniciativa, por parte dos autores, é extremamente válida. Como estratégia de mudança de atitudes e adoção de novos comportamentos, é um instrumento dos mais eficazes, tanto pela grande audiência que atinge quanto pela maneira lúdica como dissemina novas condutas e práticas.
Entretanto, o “merchandising” social excessivo nas novelas está levando ao desgaste da fórmula e até atraindo a antipatia do público, em alguns casos. Afinal, tudo que é em exagero cansa e enjoa, principalmente quando as mensagens são transmitidas em tom professoral. É o que vem ocorrendo na novela Prova de Amor, em que os personagens Alexandre e Janice, vivenciados pelos atores Déo Garcez e Fernanda Nobre, transformam o roteiro didático em demasia, recitando suas falas num monótono e enfadonho diálogo que, não raras vezes, beira o intolerável.
Como bem analisou a jornalista Mariana Trigo, em uma recente crítica distribuída pela agência TV Press, atualmente, não basta a uma novela ter uma boa história, satisfatórios índices de audiência e virar assunto de discussão. O fato é que grande parte dos autores não costuram suas tramas sem destacar algum tipo de abordagem social. Afinal, além de a trama ser vista com outros olhos pela direção das emissoras, todo mundo quer ficar bem na foto. Contudo, não bastam apenas boas intenções, dosar a quantidade de abordagens e ter talento continuam sendo condições fundamentais.
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